” O mundo sem caminhos do meio selvagem é uma escola insuperável, e os que nela viveram podem ser duros e divertidos mestres. Neste meio, está-se em permanente contacto com incontáveis plantas e animais. Ter uma boa educação é ter aprendido as canções, provérbios, histórias, mitos (e tecnologias) associados a este contacto com os membros não-humanos da comunidade ecológica local. A prática no terreno em ”campo aberto”, é o mais importante.” Gary Snyder, A prática da natureza selvagem

Hoje é o primeiro dia de aulas um pouco pelo país inteiro.
Como mãe de duas crianças tenho ouvido incontáveis vezes a pergunta ”então eles já foram para a escola?” e o mesmo se passa com eles ”então, amanhã já vais para a escola?”.
Devo assumir que estas perguntas me deixam sempre desconfortável, primeiro porque nunca sei o que responder e segundo porque de facto escolher entender a escola como algo muito maior do que um edíficio específico, com horários específicos, não é algo fácil de explicar ( pelo menos não em 5 minutos de conversa corriqueira ).
A escola que temos hoje é a mesma escola que surgiu na época industrial, uma escola que prepara seres humanos para que um dia sejam capazes de prestar um serviço à sociedade, em moldes muito específicos e que servem acima de tudo um sistema de produção e organização que se tem vindo a afirmar como um lugar de desconexão com a ”Natureza Selvagem”.
Quando decidi ser mãe, decidi que o queria fazer em conexão com a natureza selvagem e também decidi que iria educar as minhas crianças num contexto mais livre e perto de ambientes selvagens. Assim, tenho vindo a caminhar para criar o espaço e o tempo ideal à realização dessa tarefa.
Acordamos hoje, como todos os dias e fomos fazer o que tem que ser feito.
Cuidamos dos animais. Temos galinhas novas que ainda se estão a habituar a nós e ao lugar e por isso fomos juntas visitá-las e tentar através de sons e comida criar mais ligação. Queremos muito que estes animais nos alimentem através dos ovos que nos vão dar, mas queremos que sejam ovos vindos de um lugar seguro e de conexão.
Também fomos soltar as cabras para que possam comer as bençãos da floresta. Ultimamente temos tido vários desafios com estes nossos animais sendo que o último se prende com o facto de termos dois machos. O macho mais velho, pai do macho mais novo, está com o cio e decidiu atacar o seu filho. Neste momento estão separados para que possamos proteger o mais pequeno.
Tudo isto, no primeiro dia de aulas.
Depois disto, o nosso filho mais velho quis ir caminhar pela floresta.
Assim que chegamos lá vimos que haviam muitas castanhas para apanhar. Isto fez-me pensar que num lugar onde tudo nos é dado, não é preciso programar o que é para fazer, agendar, calendarizar, está já tudo agendado, calendarizado. Só temos que fazer o que tem que ser feito. Neste caso, tratar dos animais e colher o alimento que a floresta nos dá em abundância.
O verdadeiro calendário é o da Natureza Selvagem.


Para mim a educação selvagem vem do coração. Atenção que quando falo em educação selvagem não me cinjo aos pequenos. Para mim é uma desconstrução gigantesca e uma aprendizagem brutal!
Eu bebo de tudo aquilo pelo qual passamos juntos e juntas, eu, a minha família, os animais e a floresta. Todos os dias me abro a essa conexão a que me propus, com humildade e muita preserverança.
Acho importante salientar que apesar de bucólico este é um caminho de grandes desafios.
Fui criada para ser uma profissional. Sempre uma excelente aluna deixando todos e todas com grandes expectativas acerca do meu futuro. Médica, artista famosa, mas nunca – mãe a tempo inteiro numa quinta no meio da floresta.
A vida tem destas coisas e nem eu sabia o que o meu coração tinha reservado para mim e para os meus.
Então vejo-me de repente nesta encruzilhada, a de desconstruir o que me foi dito e como vi fazer podendo assim seguir aquilo que o meu coração e a minha intuição me sopram baixinho ao ouvido.
Entendo e respeito que cada coração fale de forma diversa com cada dono e dona e de forma alguma quero parecer intransigente ou assumir que a minha forma de estar é a mais adequada. Já passei por isso, já pensei assim. Agora e depois de várias aprendizagens sei que cada mãe, cada pai, cada família têm as suas próprias necessidades e caminhos. Nem sequer cabe na equação que façamos o que temos que fazer por ser aquilo que esperam de nós.

Os benefícios de estar maioritariamente num espaço inserido num ecossistema diverso, povoado de animais domésticos, seres humanos, árvores, vida selvagem, são imensos. Já li bastante sobre isso e posso constatá-lo todos os dias no sítio onde vivemos.
Liberdade para aprender, aprender o novo, fazer o que nunca foi feito e não repetir o que nitidamente já não funciona.
Agostinho da Silva diz-nos sobre as buscas e o conhecimento ” Talvez fosse bom pensar-se em bibliotecas de outro tipo, nas quais se tratasse do que se não sabe ainda; bibliotecas e museus da ignorância humana. Aí se ocupariam os bibliotecários não de cada vez com a maior perfeição e mais apurado bom gosto e comodidade adornar e catalogar (…) mas de concitar por seus mágicos meios as almas do que ainda não nasceu (…) Escola, também, desde a infantil às de pós-graduação, se deve fazer à volta do que se ignora, ou ao nível individual do aluno, que tem de descobrir para aprender (…) ”.
Esta é a minha fé, fé no que ainda não se sabe, fé em que fazer diferente não tem que ser assustador e que pode ser inspirador!
Todos e todas confiamos que as nossos bebés vão aprender a falar e a andar, no entanto quando toca a outras aprendizagens, parece que a maioria fica de mãos atadas e questiona as capacidades sociais inatas dos seres humanos. Um dos argumentos que oiço mais vezes a favor da escola como instituição é a convivência com outras crianças.
Eu andei na escola 22 anos e convivi com muitas pessoas.
Posso dizer que a grande maioria das minhas relações interpessoais na escola se baseavam ou na indiferença ou na competição. Andei na escola 22 anos, dos quais 12 anos no ensino básico. O meu horário foi quase sempre o mesmo, aulas todo o dia, 30 minutos de intervalo de manhã, 1 hora para almoçar e 15 minutos de intervalo durante a tarde. Nesse tempo o meu convívio, com as outras crianças e mais tarde adolescentes, prendia-se essencialmente a estar sentada numa cadeira em silêncio a ouvir o que os professores me diziam. SE por acaso tentasse de alguma forma SOCIALIZAR era repreendida. Então, sobravam-me uns meros 45 minutos num local engradado (qual prisão!) onde eu podia SOCIALIZAR. O que dá mais ou menos 5 horitas de socialização propriamente dita por semana.
Juntamente com outras mães que sentem vontade de ensinar os seus filhos numa escola que vai para além do edifício, fazemos encontros semanais onde as crianças brincam livremente em ambientes de floresta e/ou parques/ bibliotecas ( onde quiserem, o mundo é tão grande! ). São cerca de 3 encontros por semana, de 3 horas ou mais cada um, o que dá um total de 9 horas por semana de socialização.
Não me prendo às horas e repito que aceito e compreendo que há quem não consiga vislumbrar outra forma para além de colocarem os seus filhos da escola edifício. As vidas odiernas exigem muitos gastos de tempo que é também dinheiro.


O que eu desejo neste ano letivo que se inicia é ter a coragem de dizer com o coração leve e sem medo dos julgamentos alheios ” sim, os meus filhos estão sempre comigo. sim, tomo a total responsabilidade sobre a educação deles. sim, estamos na floresta e essa é uma grande escola. ”
Desejo também que todas as mães e pais que como eu vivem este caminho de desconstrução pessoal em busca daquilo que os corações lhes pedem, em busca de proporcionar aos seus filhos que com tanto amor trouxeram a esta vida um futuro mais perto da natureza selvagem, consigam continuar a trilhar esse caminho. Não é fácil e as pressões são muitas, mas a Mãe Terra precisa de seres humanos que a conheçam e reconheçam que estejam conectados e que aprendam a cuidar bem dela, para que Ela possa tomar bem conta de todos e de todas nós.
Um abraço,
Alice Montanha

Adorei. És uma inspiração de paz mana. Adoro te
Acabei de ler e fiquei simplesmente sem palavras… sinto que a sua coragem me deu coragem a mim… não para a educação do meu que já está com 17 anos e a poucos meses dos 18 e que teve e continua a ter uma educação que sempre lhe trouxe muita infelicidade… não gosta, não quer e está à espera de atingir a maioridade para sair… fiquei vossa “fã” e com o coração cheio de esperança de apenas poder SER! Um beijinho ❤️
Olá Catarina, fico muito feliz em ler o seu comentário.
Podemos sim, simplesmente SER! É um caminho a ser traçado diariamente.
Muita força! <3