
”Nos últimos anos aumentou o interesse pelas plantas medicinais como alternativa aos poderosos e potencialmente perigosos medicamentos clássicos.
A preocupação com o crescimento de microrganismos resistentes aos antibióticos e o risco dos efeitos secundários dos medicamentos clássicos deixa crescer o uso das plantas medicinais.
O aumento de pobreza e a falta de dinheiro para pagar medicamentos é mais uma razão para a divulgação e ensinamento da Medicina Popular.” Maria Feliz
A Medicina Popular em Portugal vê os seu auge acontecer, nos dias que correm, no Congresso de Medicina Popular de Vilar de Perdizes, fundado pelo Padre Fontes.
Mas não é de agora que a população deste território Ibérico recorre às mezinhas, feitiçarias ou benzeduras para curar os seus males, sejam eles físicos, psicológicos e até de índole financeira ou amorosa.
A Inquisição ou Santo Ofício atuou durante 3 século no nosso país, deixando-nos hoje com pouca ou quase nenhuma informação acerca daquilo que pode ter sido uma Medicina Popular mais complexa, quiçá mais próxima de uma Medicina Tradicional Chinesa ou então de uma Ayurveda.
Conseguimos observar que contrariamente a outras regiões do planeta a Europa cedo se deixou dominar por uma medicina dita científica mas sem esquecer da ajuda imprescindível que usufruiu com a ação da Inquisição.
O que nos chega são os registos preconceituosos da Igreja que durante 300 anos trabalharam arduamente para aniquilar até levar ao rídiculo todo e qualquer conhecimento associado à Medicina praticada pelo povo.
De uns quantos charlatões fizeram uma maioria, pondo de lado todos os milhares de anos de conhecimento acumulado.
Em Portugal, contrariamente a outros países da Europa, como a França, não se recorreu tanto à queima e condenação de pena de morte. A prática mais recorrente era sem dúvida o exílio, a humilhação, acabando muitas destas- curandeira, feiticeiras, benzedoras- a sua vida no degredo e condições deploráveis. Muitas vezes apesar de serem acarinhados e necessários nas populações o medo das represálias ( muito severas ) levou a que toda uma classe de gente ligada à cura e aos mistérios da saúde ficasse praticamente extinguida. Os que sobraram tiveram no entanto que praticar em silêncio tendo-se gradualmente perdido o conhecimento, já que a superstição religiosa e a medicina científica (naquele tempo embrionária ) se sobrepuseram, até aos dias de hoje.
Ainda hoje a medicina popular em Portugal se pode dividir em duas classes:
· a do conhecimento passado de mães para filhas/filhos que se estende um pouco àquilo que é de conhecimento geral, como o uso de malvas para lavagens íntimas ou das vaporizações de eucalipto em casos de congestão nasal;
· a das bruxas, adivinhos, feiticeiras e benzedoras que ainda associam o uso de plantas aos rituais religiosos, como os banhos purificantes e as defumações energéticas.
Com isto, podemos postular que o termo Medicina Popular é mais vasto do que muitas vezes o podemos conceber e que pelo charlatanismo de uns pagam os outros.

Justifica-se hoje, por via da investigação científica, que muito do conhecimento sobre ervas e plantas medicinais estaria e está correto.
Com o advento da dissecação científica e a perceção das propriedades ativas fitoterápicas das plantas usadas tradicionalmente, chegamos à conclusão que em vão não eram muitas das ditas mezinhas utilizadas.
Como exemplos de tratamentos que influenciaram a prática atual aceite na Naturopatia e outras medicinas complementares temos :
· O uso de infusão de rosas e sabugueiro em casos de conjuntivite .
Pelas suas propriedades adstringentes as pétalas de rosas, juntamente com as flores de sabugueiro que têm propriedades antisépticas e emolientes. Assim pelas suas propriedades adstrigentes, anti-sépticas e emolientes atuam aliviando a inflamação, atuando contra possíveis organismos estranhos ( bactérias, etc… ) e emolientes, acalmando os tecidos.
· As lavagens íntimas com infusão de malvas, que hoje se sabem ser antimicrobianas, cicatrizantes e emolientes
· O Eucalipto para gripes, tosses, bronquites, inflamações orofaríngeas, diabetes, cistites. Entretanto descobertas as suas propriedades anti-sépticas pelo óleo essencial.
· O vinagre no caso de aftas e fungos. Encontramos também um remédio popular para aftas cuja composição era de pétalas de rosas, vinagre e mel.
· Para hemorróidas banhos de assento com verbasco e parietária. O verbasco e a parietária são emolientes e antiespasmódico e ajudam no alívio das dores.
Muitas vezes ouvimos os praticantes deste tipo de medicina atribuir inúmeros benefícios a uma mesma planta de forma genérica. O que não está errado pois sabemos hoje que a mesma erva pode ter variados compostos que atuarão de forma específica em diferentes sistemas, aquilo a que se chama ter afinidade com um certo sistema. Por exemplo a tanchagem, cujas sementes são usadas para a constipação intestinal e por outro lado, são conhecidas como o penso do pastor já que mastigadas e colocadas em feridas ou picadas de inseto representam alívio imediato.
Todos nós já ouvimos falar de alguém que utilizou uma planta, erva ou até benzedura que resultou.

Por exemplo, temos conhecimento de uma senhora dita benzedora, que cura os chamados ‘’sapinhos’’ dos bebés, ou seja, candidíase bocal. Primeiramente, atribui-se a condição a algum mau espírito e depois disso, leva-se a bebé até um lugar onde se enche a pia de beber dos porcos e se coloca vinagre. Molha-se a boca da bebé e pronunciam-se umas rezas. A bebé ficou curada desta condição, talvez mais devido às propriedades antifúngicas do vinagre do que propriamente às rezas. No entanto a religião tem um papel muito importante na construção da psique humana e deve ser respeitada.
Outra utilização popular, esta mais comum, são de facto as lavagens intimas femininas com a infusão de malvas.
Conhecemos também uma receita de uma senhora com 102 anos, da região do Douro, que para a tosse fazia a chamada ‘’ queimada para as constipações ‘’ . Consiste em colocar num prato fundo aguardente com açucar, pegando fogo à solução. Depois disso bebe-se o chamado ‘’borro’’ e vai-se logo para a cama, para que se dê a sudação.
Com isto, podemos concluir que apesar dos esforços da Inquisição da Medicina científica a Medicina popular continua viva no espírito das portuguesas e portugueses.
Importante tem sido o contributo mútuo entre medicina popular e evidência científica, para que se possa ver para além das brumas do charlatanismo e da superstição.
Um abraço,
Alice Montanha
(este texto foi elaborado no contexto da cadeira de História e Príncipios da Naturopatia, no curso de Naturopatia da ESMTC que estou a frequentar )
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